O Luto fraternal
Morrer-se-nos uma irmã é um dor impossível de explicar. É A falta para a vida. Mas ninguém fala do quão solitário é.
"Toda a gente" pensa na dor dos pais. Na dor do viúvo (gargalhada interior). Na falta que a pessoa vai fazer aos filhos.
Praticamente ninguém me contactou e perguntou por mim, os poucos que o fizeram (excetuando os meus verdadeiros) fizeram-no numa perspetiva perversa de ver o que acontece quando um transplante corre mal - mas não iam estar a chatear os meus pais para isso - sim, também ouvi isso, por outras palavras.
Sabem o que ouvi uma vez, ao fim de 6 meses de luto?
Que estava a exagerar na falta, na saudade. Que era suposto começar a habituar-me e seguir em frente.
Sabem quantas vezes nos últimos 3 anos pensei "qual em frente!?"
Muitos, muito dias.
Com a morte da minha irmã: mãe, mulher, trabalhadora, com 40 anos de vida... percebi a pouca falta, a pouca diferença que fazia ao mundo.
Porque se o Mundo continua sem ela, que atingiu (socialmente) mais do que eu, eu também não faria falta...
O luto fraternal é desconsiderado.
Mesmo eu só tendo conhecido a vida com ela. Mesmo eu só sendo eu por ela ser a minha irmã.
Os meus pais educaram-me para (prometeram-me) nós sermos as companheiras uma da outra. Que tudo passa, mas os laços fraternais da partilha de uma vida que nasce das mesmas pessoas, na mesma casa, com a mesma comida e as mesmas escolas, ninguém quebra.
E a doença veio e roubou a minha irmã de mim.
Tirou-me os meus pais, que não são os mesmos. Que não olham para mim com os mesmos olhos.
Mostrou-me o quanto um casamento pode esfumar-se ao vislumbre de chatices de saúde e ser uma construção social, para o Facebook ver.
Desfez décadas de construção de uma família, que agora parece longínqua e falsa de acreditar.
Em agosto de 2020 fui roubada da pessoa que mais adorava no mundo - e tive a sorte de lho poder dizer nos olhos, diretamente, antes dela entrar em coma.
E desde aí poucos foram os que perceberam que mais do que uma morte, vivo com um vazio, uma falta, um nunca mais.
Porque mãe deu à luz, porque filhos só têm aquela mãe... mas eu "só" perdi uma irmã.
A morte dela foi o passo em frente, em direção ao poço. Sei-o hoje. Na altura não o vi, só vi a dor.
Ainda na semana passada, ao almoço, ouvi 3 colegas conversar - curiosamente todos homens - sobre terem mais filhos. Todos apontam a atual situação economico-financeira para não o pedirem às companheiras... TODOS vieram com a história de que tinham pena pois estavam a privar @ filh@ único de ter um "amigo para sempre", "alguém para partilhar a vida"...
Sabe Deus como não virei a mesa, como não berrei "deixem-se de egoísmos, porque se não controlam a morte, mas vale controlarem a vida"; sabe Deus como não chorei desalmadamente a ouvir as palavras que os meus pais me prometeram a vida toda.
A promessa durou 34 anos. Agora durará o resto de uma vida inteira de vazio.
Mas ninguém pergunta nada aos irmãos, não é?