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Os Contos da menina-Mulher

Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto. Estes são os meus pontos sobre saúde, culinária e lifestyle. Aqui toda eu sou vírgulas, reticências e, no extremo, pontos de exclamação ou mesmo um ponto final!

Seg | 23.10.23

O Luto fraternal

Morrer-se-nos uma irmã é um dor impossível de explicar. É A falta para a vida. Mas ninguém fala do quão solitário é.

"Toda a gente" pensa na dor dos pais. Na dor do viúvo (gargalhada interior). Na falta que a pessoa vai fazer aos filhos.

Praticamente ninguém me contactou e perguntou por mim, os poucos que o fizeram (excetuando os meus verdadeiros) fizeram-no numa perspetiva perversa de ver o que acontece quando um transplante corre mal - mas não iam estar a chatear os meus pais para isso - sim, também ouvi isso, por outras palavras.

 

Sabem o que ouvi uma vez, ao fim de 6 meses de luto?

Que estava a exagerar na falta, na saudade. Que era suposto começar a habituar-me e seguir em frente.

 

Sabem quantas vezes nos últimos 3 anos pensei "qual em frente!?"

Muitos, muito dias.

Com a morte da minha irmã: mãe, mulher, trabalhadora, com 40 anos de vida... percebi a pouca falta, a pouca diferença que fazia ao mundo.

Porque se o Mundo continua sem ela, que atingiu (socialmente) mais do que eu, eu também não faria falta...

 

O luto fraternal é desconsiderado.

Mesmo eu só tendo conhecido a vida com ela. Mesmo eu só sendo eu por ela ser a minha irmã.

Os meus pais educaram-me para (prometeram-me) nós sermos as companheiras uma da outra. Que tudo passa, mas os laços fraternais da partilha de uma vida que nasce das mesmas pessoas, na mesma casa, com a mesma comida e as mesmas escolas, ninguém quebra.

 

E a doença veio e roubou a minha irmã de mim.

Tirou-me os meus pais, que não são os mesmos. Que não olham para mim com os mesmos olhos.

Mostrou-me o quanto um casamento pode esfumar-se ao vislumbre de chatices de saúde e ser uma construção social, para o Facebook ver.

Desfez décadas de construção de uma família, que agora parece longínqua e falsa de acreditar.

 

Em agosto de 2020 fui roubada da pessoa que mais adorava no mundo - e tive a sorte de lho poder dizer nos olhos, diretamente, antes dela entrar em coma.

E desde aí poucos foram os que perceberam que mais do que uma morte, vivo com um vazio, uma falta, um nunca mais.

Porque mãe deu à luz, porque filhos só têm aquela mãe... mas eu "só" perdi uma irmã.

 

A morte dela foi o passo em frente, em direção ao poço. Sei-o hoje. Na altura não o vi, só vi a dor.

 

Ainda na semana passada, ao almoço, ouvi 3 colegas conversar - curiosamente todos homens - sobre terem mais filhos. Todos apontam a atual situação economico-financeira para não o pedirem às companheiras... TODOS vieram com a história de que tinham pena pois estavam a privar @ filh@ único de ter um "amigo para sempre", "alguém para partilhar a vida"... 

Sabe Deus como não virei a mesa, como não berrei "deixem-se de egoísmos, porque se não controlam a morte, mas vale controlarem a vida"; sabe Deus como não chorei desalmadamente a ouvir as palavras que os meus pais me prometeram a vida toda.

 

A promessa durou 34 anos. Agora durará o resto de uma vida inteira de vazio.

Mas ninguém pergunta nada aos irmãos, não é?