Tenho epilepsia, e agora? | A vida muda mesmo?
[Isto desenvolve devagarinho, mas desenvolve! Lê o 1º texto sobre como lidar com crises de epilepsia.]
Demorei algum tempo a voltar a pegar neste tema por vários motivos, nenhum deles vergonha da epilepsia:
- queria que o m-R desse a perspetiva dele, mas ele fica tímido e desconcertado, por achar que não vai dizer nada de novo
- o Pedro não tem estado bem e eu fico constrangida (não gosto de "esfregar sal" em feridas que não são só minhas)
- a epilepsia andou a "por as garras de fora" por estes lados: com o ginásio, a falta de descanso, os nervos e a mudança de estação.
Dou muitas vezes por mim a pensar, afinal de contas, em que mudou a minha vida, por ter epilepsia?
Há dias em que me lembro automaticamente de não-sei-quantos-fatores, há dias em que "quase me passa ao lado" (ser cidadã com deficiência em Portugal ajuda, já que passou muito tempo na luta pela "normalidade"). Já não 11 anos desde que fui diagnosticada, quase 2 desde que tive uma crise grave.
Afinal, o que é diferente, na vida de quem tem epilepsia de ausência, como eu?
- A medicação: tomo a mesma medicação desde que fui diagnosticada. Primeiro "prometeram" que era um "tipo de epilepsia" que se curava em 3 a 5 anos. E as doses eram tão baixas quanto se dá a um bebé. Ao fim de 5 anos o médico perdeu a ilusão (eu nunca a tive porque me parecia demasiado ouro sobre azul...) e assumiu que a minha epilepsia, sendo sequela da PC é eterna, enquanto eu dure. Ao fim de 5 anos foi-me subida a dose, para a de uma criança e foi acrescentada medicação para dormir. As maravilhas de fazer EEG anuais? descobrir que o meu cérebro não descansa, não abranda... Aos 7 anos subiu-me a dose para algo mais aproximado à minha idade, não me dei, senti-me drogada durante 8 meses, queixava-me, mas estando a ser seguida no SNS tinha que esperar pelas consultas e "calar". Entretanto, mudou a medicação noturna, porque tive uns maravilhosos 3 anos a dormir mal ao ponto da exaustão... no último ano e meio encontrei o equilíbrio! Não imaginam a felicidade que foi dormir, ao fim de 3 anos, e sentir que... dormi! Até chorei quando acordei... A minha medicação é pouca: 1 comprimido de manhã, 3 à noite, antes de dormir. Mesmo assim, o ex-psicopata-muito-bom-lá-do-deserto-jamais chegou a usar a minha medicação para me maltratar psicologicamente. Tinha um gosto enorme em ficar com tabletes de medicação e sacar delas em público, enquanto perguntava, de forma obcecada se "já tomaste a medicação?", mesmo que a tivesse tomado à FRENTE DELE, antes de sair de casa...
- O lidar com sons, luzes e multidões/ a vida social: onde é que eu noto diferenças físicas da epilepsia? No contacto com luzes, com sons fortes e com multidões. A minha epilepsia não é fotossensível, mas a verdade é que nunca mais consegui lidar com luzes fortes ou intermitentes da mesma forma. Quando me mudei para Lisboa, tive que comprar uns óculos de sol dos "bons", porque a luz de Lisboa é muito linda, e o caraças... mas eu tinha crises de enxaquecas (outro dos meus "efeitos secundários"), todas as semanas. Deixei de frequentar discotecas aos 22 anos, só vou a bares que conheça, com pessoas que saibam que tenho epilepsia e, tento não estar lá dentro mais de 3 horas seguidas. Adoro petiscadas e jantares, mas se estiver com mais de 10 pessoas, ao fim de duas horas, o meu cérebro começa a "desligar", são demasiados estímulos e das duas uma, ou me sento a conversar com UMA pessoa, ou saio da sala de 20 em 20 minutos, ou começo a deixar de interagir. Sorrio e comporto-me, mas "desligo". Estar com mais de 10 pessoas mais de 3 horas é o equivalente a 2 horas de exercício físico, para mim. Fico estafada! Só não perco é gordurinha e calorias ahahaha Quanto ao álcool? Posso consumir sim. Mas sem exageros. As duas piores bebedeiras que apanhei... guess what? Já estava diagnosticada... shame on me... mas na verdade, com a idade e dado que só bebo socialmente, quando começo a ficar cansada, corto na bebida. Por isso, não me tem feito muita falta.
- O respeito pelo descanso: sou uma pessoa que quando não tem que respeitar horários dá em noturna. E que quando tem uma rotina acorda cedo. Cedo de 8.30/9h da manhã. Por muito que tenha adormecido às 3 ou às 4h no dia anterior. A primeira coisa que o Dr. me disse foi "vais passar a dormir 7/8 horas por noite, nunca mais de 9h, nunca menos de 5h. Porque é o ritmo do teu corpo que manda nas crises." E a verdade é que... a minha média de horas de sono é... 7 horas com muita sorte. Não sou uma doida por dormir. Mas aprendi o respeito pelo descanso nos 3 anos em que dormi mal. E porque já tive crises tão divertidas quanto: a) crise porque fiquei desempregada, b) crise porque entrei de férias ou, c) crise porque entrei em privação de sono porque tinha aulas à noite... A verdade é que me transformei de uma pessoa com o sono leve para uma pessoa que ferra no sono - e ressona e tudo! Mas que, graças à epilepsia e a este cérebro que não dorme, vivo em constante sensação de cansaço.
- O saber ouvir o nosso corpo e os seus "sinais": qual é o meu truque para não ter crises graves há quase 2 anos (batamos na madeira)? "Fácil": primeiro, ter umas quantas crises inesperadas e assustadoras, em locais pouco recomendados como no Norteshopping, na paragem de autocarro nos Aliados ou no trabalho. Depois, não falhar a medicação, pois ela não existe apenas para evitar crises, serve para ensinar o nosso corpo a enviar um sinal e "comprar-nos" uma janela de tempo em que conseguimos parar, avisar alguém e ter tempo para diminuir a força da crise (podem ver como aqui). Eu já sei que algo de mau vem aí quando o meu corpo fica fraco, com tonturas e com mudanças de temperatura. E neste último ano aprender exercícios de respiração tem feito a diferença - abrando a respiração, "falo comigo mesma", tento não me assustar. E tem resultado.
- As estações do ano: há quem ache que é mito, mas, falando por mim, as estações do ano influenciam a minha relação com a epilepsia. No Verão, especialmente em anos quentes como este, tenho que estar com atenção redobrada para perceber se os picos de calor são "naturais" ou sinal de crise. No outono maldigo a minha vida, porque com a mudança da hora e os níveis de energia em baixo, por causa do stress do regresso ao trabalho, é rara a semana em que não aparece uma enxaquecazita ou uma dose de tonturas. Graças à epilepsia, não sou blogger féxon, não ando a suspirar pelo verão nem escrevo odes românticas ao outono, exatamente porque são as duas estações em que vivo com mais medo de me dar uma "travadinha" - aqui entre nós?! Viva novembro e dezembro, com as noites mais longas e os dias fresquinhos, raramente tenho problemas.
- Bons médicos, sempre: sei que tenho muita, muita sorte no meio disto tudo. Fui diagnosticada no SNS, mas por um médico conceituado, o Dr. Vieira Branco, que está no hospital de Gaia. É um médico focado em diminuir crises, ponto. Não olha por aí além pela qualidade de vida, talvez porque tivéssemos começado este périplo a achar que em 4 anos estava tudo resolvido. Mas ele sabe o que faz. Com a mudança para Lisboa, e 3 crises em ano e meio... tive que encontrar cá médico. E fui para o privado. Pesquisei que nem tonta e na CUF encontrei o Dr. Pimentel, um Dr. "avozinho" quem, vim eu a saber mais tarde, é tipo o Deus da neurologia especializada em epilepsia! É caro? ÉEEEEEEEEEEE! Mas olha pela qualidade de vida! Graças a ele voltei a dormir, estabilizei a medicação, reforcei vitaminas que podiam estar em falta, desmistifiquei o medo da epilepsia na gravidez, não tenho crises vai para dois anos... e sou sempre recebida com um sorriso - e com a boa nova de agora só precisar de consultas anuais! Pessoal e familiares com epilepsia, acreditem-me, meio caminho para estabilizarem e aprenderem a viver com esta doença é: o vosso médico. Pessoal do Grande Porto e Lisboa, recomendo-vos estes dois senhores - pagos do meu bolso!
Não parece, mas estive aqui sentada quase 2 horas para vos escrever este texto. Mas por favor digam-me se tiverem qualquer dúvida ou questão! Estou cá para isso.
Pelo meio, lembrei-me que tenho que ir repetir o meu EEG e envia-lo por e-mail ao Dr. Pelo meio, lembrei-me das crises más. Dos sustos. E dos amigos e colegas que já viram a epilepsia em ação (e a diferença de reação de cada uns). Pelo meio, lembrei-me das caras de incompreensão das pessoas quando vou a um concerto ou quando digo que estou extremamente cansada depois de um jantar de grupo, por exemplo.
Pelo meio... percebi que nada disso tem grande relevância quando "me tenho safado às crises grandes" e que a sorte está em conseguir partilhar os meus dias com a doença, sem deixar que ela me influencie negativamente (já deixei que isso acontecesse, já...).
Não foi fácil e muito menos rápido chegar a este ponto de "convivência" com a epilepsia. Valha-me um companheiro e uma família sem preconceitos e ideias pré-concebidas sobre esta doença tabu.
Agora, peço-vos, se querem saber mais, leiam as partilhas do Pedro. E enviem-lha toda a vossa força e boas vibes, o moço merece!