O Amor, como ele deve ser
Olá.Ainda não nos conhecíamos e já eu pensava em ti. Por mim, vivíamos tudo já, aqui, os dois, e deixávamos as preocupações do fim para depois. Sei que ainda não me conheces de verdade, mas assim também não me esqueces nem sofres de saudade. Prefiro sentir eu o vazio de não estar aí e sofrer esse buraco no peito por ti.Sabes o que é nascer com uma pessoa no coração? É uma espécie de gravidez em que tudo o que tens a crescer dentro de ti é emoção. Quando se nasce com essa antecipação de conhecer quem se quer é preciso força para combater a solidão até se encontrar essa razão de ser.Todos vivemos para alguém. Sem essa dedicação somos quem? Pessoa. Boa? É possível. Mas pessoa boa dedicada é preferível. Se não gostarmos assim de alguém não somos maus, somos apenas ramos de árvore secos, reduzidos a paus, sem vida para dizermos olá ao vento, e quebramos no estalo triste de um lamento. Depois vem o chão. Mas se formos dois, não há esse medo, há sempre aquela mão que nos ajuda a levantar de uma queda que nos apanha demasiado cedo.Para sempre, e tudo o que é infinito, para além do bom e do bonito. Depois de ambos sabermos que existimos, mesmo que estejamos sós, nunca estaremos sozinhos. Insistimos até que nos falte a voz e, mesmo sem som, mesmo sem luz, seguimos esse afecto que nos conduz, e no escuro do abraço trocamos carinhos.Queres esta oferta que te espera na minha mão aberta? Estas coisas precisam de respirar. Não se podem deitar fora mas também não se podem guardar. Resta aceitar. Ou recusar. Mas não vamos falar de decisões tristes. Aceita-me tal como eu te aceito, neste instante, ainda sem saber se existes. Esta carta só é para ti quando te encontrar. Por agora, é para mim, para me deixar sonhar.Sonho contigo, mas sem face. É uma tristeza que me acorda a meio da noite e não me deixa dormir até que a outra metade passe. Talvez seja melhor que não recordemos dos sonhos as feições das pessoas com quem sonhamos sem conhecer. Talvez seja um favor do universo que nos deixa esse bocadinho do sonho difuso, confuso, disperso. Se o teu rosto fosse uma imagem que eu pudesse recordar depois de acordar seria um golpe de espada, porque dos sonhos só trazemos recordação e mais nada. Seria sofrer por te reconhecer sem realmente te ver. O melhor mesmo é esquecer.Mas sei que existes. Aí, nesse lugar do mundo, ao nível do mar, a escalar ao alto da montanha tamanha ou a descer ao vale profundo. Persistes. Estejas onde o acaso quiser, preciso de ti para viver. Não é depender da tua vida para viver a minha, nada disso. É que, sem me partilhar contigo, a obra de arte que desejo da minha vida não passará de um esquisso. Sei que isto é cliché para quem lê, mas és a metade que não tenho. Enquanto não te encontrar és aquela angústia de viajar para longe de casa sem saber se regresso, e de todas as pessoas de quem me despeço se algumas perco e outras ganho.Quero encontrar-te e conhecer-te. Quero ganhar-te e merecer-te. Depois seremos felizes. O melhor possível, que o dia-a-dia é imprevisível. Tu ris-te do que eu digo e eu rio-me do que tu dizes. Beijamo-nos todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites, sem precisarmos de rimas, nem de poesia disfarçada numa prosa bonita. Precisamos apenas de nós, dos nossos rostos, dos nossos braços, das nossas mãos, dos nossos olhos. Das pernas que nos cruzam no caminho, dos pés que nos equilibram, do corpo todo que trocamos um com o outro. E crianças. Teremos ou não. Mas teremos sempre o que somos. Teremos coração.
De mim para ti.
Encontrei o Amor, como acredito que deve ser sentido, aqui, nas palavras de outrem, tão mais talentoso.